19/05/2008

Marvão por João Lobo Antunes


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A vila é um labirinto de casas de cal e granito, que parecem articular-se sem cisuras, numa comunicação interior, quase secreta. A Pousada não é excepção, e foi crescendo ao longo dos anos, pela acumulação de casas contíguas.
Percorremos as ruas desertas no silêncio tranquilo do fim-de-tarde que apenas um sino interrompia, marcando os quartos de hora de um tempo sem pressas. Mas não era uma vila de fantasmas, pois um jardim amoravelmente cuidado, fazia adivinhar a alma de uma mão bem viva.
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O sol da manhã entrou pela janela e entre o recortar dos telhados, avistámos de novo a planície, que os dedos da aurora, como em cada canto escreveu Homero, pareciam envolver numa gaze dourada. E a natureza que castiga e perdoa as fraquezas dos homens, e que parece aceitar, neste povo que é o nosso, virtudes que são defeitos e defeitos que são quase virtudes, fazia esquecer o pessimismo vespertino. E assim, aquela vila que resistira a sarracenos, a espanhóis a franceses e até a portugueses, erguia-se no novo dia, altiva na planície, como um tempo à dureza e durabilidade da nossa gente.
E abalámos, seguros que iríamos voltar um dia, par, outra vez, conferirmos a lenda.
ANTUNES, João Lobo
“A Pousada de Santa Maria de Marvão” in Pousadas de Portugal: Moradas de Sonho/ João Lobo Antunes- Lisboa: Edições Inapa, 2006, p.245-247.

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